Gosto de pessoas simpáticas, pessoas sorridentes, pessoas felizes e pessoas bem dispostas. Gosto de entrar no escritório e dizer um melodioso bom dia!
Dei por mim, num dos meus raros dias de escritório, a olhar para as minhas colegas e a imaginar a vida de cada uma delas (a fazer filmes, portanto). Isto tudo por causa da forma como dizem bom dia quando chegam, ou pela forma como respondem ao meu bom dia se sou eu a chegar depois delas.
Uma entra como se tivesse acabado de saber que lhe saiu o Euromilhões e que se vai pirar dali para fora! Grita (mas grita mesmo) um bom dia tão estridente que eu acho que acorda todos os velhotes que às 9h da manhã ainda dormem na geriátrica Avenida da Igreja - esta é a tal que fez aquele drama todo por saber que ia para o algarve... tou que nem a posso ver!
A outra entra como se o mundo fosse acabar naquele minuto e ela se sentisse a mais frustrada ao cimo da terra porque passou a vida a resmungar com a população mundial, a queixar-se do marido que só liga ao futebol e uma vez até lhe deu um estaladão porque ela se pôs à frente da televisão num jogo do benfica (contado ipsis verbis e sem nenhum problema pela própria, com a maior normalidade do mundo, como se nos estivesse a dizer vou-ali-beber-uma-bica-e-já-venho)... porque os filhos (tadinhos) são respondões e um com 6, outro com 8 caminham a passos largos da obesidade... e porque a vida dela é uma autêntica porcaria (humpf).
Hoje, quando entrei no escritório, as minhas colegas já estavam completamente enfiadas dentro dos seus portáteis. Disse o meu alegre bom dia e tive como resposta:
- da sra. euromilhões: "bom diaaaaaaa queridaaaaaa!"
- da sra. resmungona: "hum" - portanto, uma espécie de grunhido
Factos: ambas têm a mesma idade. Uma é casada desde sempre. Tem dois filhos que são a razão do seu viver e a única alegria da sua vida (uns miúdos lindos, mas com um descontrolo alimentar brutal), mas apenas tolera o marido, não o ama (isto dito pela própria - faz-me lembrar uma personagem de um livro, que ao fim de 500 anos de casamento descobriu que era lésbica e que odiava todos os homens), não gosta muito deste trabalho, detesta as mulheres (acha que somos todas umas falsas e sabidas - como se ela fosse do género masculino, ou do género híbrido ou então vinda de Namek) e diz que um dia vai fazer uma revelação bombástica (cá está, cheira-me que está a encarnar a tal personagem...).
A outra colega, solteira, mora sozinha desde sempre, gosta do que faz, workaholic, viciada em compras e viagens, vai tendo os seus pettit casos, muito independente, diz que só divide a vida com um gato e que apenas quadrípedes partilham o seu "dormir". Os outros podem até jantar lá em casa, ficar por lá umas horas, "tá a ver? - pergunta-nos enquanto endireita a franja - mas dormir lá? No meu leito? Jamé, salomé! Que a minha cama é muito minha!".
É certo que muito mais teria de ser dito para percebermos as causas da harmonia (que pode ser apenas aparente) de uma pessoa versus o conformismo inconformado da outra. Dei por mim a fazer uma espécie de quizz: onde está o pai de todas as virtudes? Porque é que é tão difícil manter o equilíbrio entre todos os elementos que são, de facto, importantes para o nosso bem estar?
Será mesmo verdade que há sonhos que as circunstâncias da vida se encarregam, naturalmente, de enterrar...?