''Dá trabalho escolher a única profissão que se gosta e deixar
para trás todas as que não se gosta, porque para isso é preciso considerar uma
aptidão pouco mais do que imaginada e conceptualizada sem o rigor verdadeiro
que rege cada uma delas (quero ser médico porque curo gente, mas ainda ninguém
morreu às minhas mãos, quando morrer não sei se ainda vou querer). Custa
construir uma família e esperar pelo tempo certo para fazer tudo aquilo que já
deveria ter sido feito, porque a nossa vontade na hora do amor é realizar o que
o corpo permite sem olhar a critério, não vá o mundo acabar no próximo instante
e deixar por conceber a pertinência da maior perfeição que veio ao mundo (e que
às vezes passa, o que me leva a questionar a excelência ao limite das minhas
forças). Dá trabalho e dói ser mãe, no corpo e na alma, porque a verdade é que
esquecemos a prioridade do nosso Eu para construirmos uma outra paralela, muito
mais pura, muito mais merecedora, muito mais plena, muito mais vida ( e quem
quiser desmentir esta, por favor arranje um bom argumento). Dá trabalho ser
mulher, perseguir os sonhos e os objectivos, cumprir connosco e com a
sociedade, ao mesmo tempo que nos permitimos uma existência complacente com o
nosso ego (agrilhoada ao nosso super ego, abanado pelo sem vergonha do nosso id
). Custa ser feliz. Para que isso aconteça não somos nós, somos nós e
mais alguém, que uma das impossibilidades do Homem é ser feliz sozinho. E para
haver a comunhão há um outro conjunto de circunstâncias diversas e também elas
trabalhosas, muito mais acres do que o ar fresco e solitário da noite,
fazendo-me crer que os caminhos são o que temos sempre de atravessar para
alcançar o que buscamos. Todos sabemos, claro, fracas palavras, pura
trivialidade, meros desabafos. De resto, nunca ninguém me disse que a vida era
fácil. Fui eu que julguei em tempos, ainda em ignorância, e honestamente não
sei se queria dar total descrédito ao assunto.''
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