«Para lá da porta há sempre um
espaço que é único. Para trás fica a rua, as gentes com quem nem sempre te
apetece cruzar, a pior das rotinas a que te é imposta, os ruídos, os atropelos,
os desencontros, as caras fechadas, o frio ou o vento que nem sempre te
apetecem abraçar. Para lá da porta, do lado de dentro, há só tu ou nós, há
aromas que só tu reconheces porque são teus, a essência perfeita que resulta
dos banhos, dos perfumes, da roupa da tua cama, das alfazemas e sabonetes que
têm as tuas gavetas, do teu ph e do teu adn. Há uma claridade que sabes que vem
de ti, das cores que escolheste para te receber todos os dias. Há a nostalgia
de alguns dias misturada com a alegria de outros. De vez em quando há vozes e
risos. De vez em quando há silêncios momentâneos e em certos dias há silêncios
profundos. Há a luz indireta dos teus candeeiros e a quente das tuas velas. Há
a espessura dos teus edredons e
dos teus turcos e um cheiro que te conforta num banho de espuma. Há a textura
das tuas paredes, as confidências que só elas sabem e os seus inúmeros amparos. Para lá da porta há sempre um
espaço que te recebe e que é o verdadeiro mundo. Aquele que desenhaste
milimetricamente para quando fechas a porta deixar do lado de fora o avesso de
ti.» | Margarida Brito |