«Chega hoje à noite, a Primavera. Mas antes desse equinócio
nocturno, olhar para trás um bocadinho e dizer obrigada à estação que chega ao
fim. Gostamos tanto da Primavera e de todas as suas promessas, que atiramos o
Inverno fora sem pensar, como casaco pesado de que queremos libertar-nos. E
não. Não assim. Tanto para agradecer. Tanto. Os dias abençoados de sol. Os dias
abençoados de chuva (e o que seria dos dias de sol sem os dias de chuva). Cada
página escrita. E todos os significados literais e metafóricos de cada uma
dessas páginas. O doce atravessar dos dias escuros, iluminados pela luz quente
do lume. A graça de cada declinação de verde. Lá fora, pela casa e à mesa. As
mimosas a serem o primeiro sinal de transição entre uma estação e a outra. E as
primeiras refeições lá fora, no jardim. O silêncio voluntário e necessário. A
contemplação serena e lúcida do andamento do mundo, das pessoas no mundo.
Registar e seguir o caminho que nos pertence. Não fazer mais nada que não isso.» | Mar Queirós de Araújo in coisas d'amar |