«No fundo,
tudo parece resumir-se a estes dois pólos: o que não depende de nós e o que
depende de nós. Tão certa, esta formulação de Aldous Huxley. As coisas
acontecem e, a maior parte das vezes, não há como antecipar ou prever. E então,
se aquilo que acontece não acabar connosco, há a outra parte. A parte em que
decidimos ou não decidimos, dizemos ou não dizemos, fazemos ou não fazemos. E
nem é preciso cenários extremos ou dilemas morais ou situações dramáticas. Ao
contrário. É a filigrana frágil de que são tecidos os dias. E tantas, as vezes
em que fazemos coisas erradas pelas razões certas. Tantas. Que encontremos
sempre em nós razões certas que nos salvem das coisas erradas que fazemos. Não
perderemos tudo, se assim for. Haverá isso do nosso lado.
E isso não é pouco nem é passível de ser rasurado.
Pertence-nos.
Faz parte do
processo interior destes dias pensar a sério. Olhar carinhosamente para as
cicatrizes que são uma marca que nos dá carácter e ir tratando todos os dias
das outras, das feridas ainda abertas. O confronto interior é uma coisa bem
difícil, mas não é inconciliável com a leveza. Se possível, acrescenta-lhe
sentido, sustenta-a ainda mais. Em mais um paradoxo, o que acontece é isto:
somos ainda mais inteiros nas coisas, ficamos ainda mais felizes com aquilo que
sempre nos fez felizes, gostamos ainda mais de gostar. É isso.»