«Não existe alma gêmea. Eu sei que você quer que exista.
Ficaria muito mais bonito eu fazer um texto bonito aqui, dizendo que existe
alma gêmea, que em algum lugar a pessoa certa está te esperando. Uma pessoa que
seja amor à primeira vista e que seja o preenchimento de todo o vazio emocional
que você sempre sentiu. Uma pessoa que te complete e que faça isso de forma
natural, não forçada, meio mágica. Essa pessoa não existe.
Vou dizer o que existe. Existe você bem e feliz e tão radiante
que todo mundo acha você interessante. Existe um ou outro hormônio, uma ou
outra substância que funciona como mensageiro fisiológico, existe coincidência
de encontros, cheiros e conversas que te deixam ainda mais feliz e confiante.
Mas não existe alma gêmea.
Porque nossa alma gêmea um dia
acorda com cabelo desarrumado e um bafo terrível. Você descobre que a sua alma
gêmea odeia sua série favorita, não gosta de viajar e tem nojo de sushi. E como
pode ser sua alma gêmea se não gosta de voz e violão em bar? E você começa a
pensar que talvez aquela ali não seja sua alma gêmea. Meu deus, minha alma
gêmea está em algum lugar e eu aqui, com esse entulho!
Mas não existe. As almas se
tornam gêmeas. Elas não nascem assim. Você vai abrindo mão de umas coisas e a
alma da outra pessoa abre mão de outras. Um aprende a comer comida japonesa,
outro começa a simpatizar com música ao vivo. Um começa a acordar cedo pra
tomar café da manhã junto, outro aguenta até meia-noite pra assistir filme
abraçado. Um vai lendo os mesmos livros do outro. Um vai concordando com aquilo
que você disse outro dia sobre aquela coisa que eu discordei na época. Um vai
ficando meio parecido com o outro. Um vai pegando coisa do outro, outro vai
pegando coisa do um. Tem vezes que dói um pouquinho, mas as almas vão ficando
parecidas.
Vão ficando tão parecidas. Tão
parecidinhas. Que coisa. Parece até que são gêmeas.»
| marcos piangers |