sábado, 29 de abril de 2017

tão isto, que podia ser sobre mim*

«sou endogenamente feliz. desde pequena que sou apanhada a cantarolar pelos cantos, o que leva a que me perguntem com frequência: ‘’o que aconteceu para estares tão bem-disposta?’’. como se quem não se arrasta com uma expressão pesarosa só pudesse estar apaixonado, ter ganho a lotaria ou ser profundamente alienado. diz-se por cá que ‘’muito riso, pouco siso’’ e que os alegres não podem ser bons da cabeça. como não se afogam neste imenso mar de arrelias e preocupações? no meu caso, a sensação de bem-estar que enche a maioria dos meus dias, não todos, claro, nem se traduz em grandes sorrisos ou em gargalhadas, mas mais na capacidade de recuperar rapidamente das agruras e das desilusões. está bem ligada a uma boa tolerância à frustração e ao genuíno prazer que tiro das coisas simples. ainda que nós, os felizes, os que raramente se queixam, não se saibam ‘’vender’’, porque cesto que não se gaba não vai à vindima, prefiro ser assim e deixar o ar agastado para os especialistas.» | ana cáceres monteiro |