«sou endogenamente
feliz. desde pequena que sou apanhada a cantarolar pelos cantos, o que leva a
que me perguntem com frequência: ‘’o que aconteceu para estares tão
bem-disposta?’’. como se quem não se arrasta com uma expressão pesarosa só pudesse
estar apaixonado, ter ganho a lotaria ou ser profundamente alienado. diz-se por
cá que ‘’muito riso, pouco siso’’ e que os alegres não podem ser bons da
cabeça. como não se afogam neste imenso mar de arrelias e preocupações? no meu
caso, a sensação de bem-estar que enche a maioria dos meus dias, não todos,
claro, nem se traduz em grandes sorrisos ou em gargalhadas, mas mais na
capacidade de recuperar rapidamente das agruras e das desilusões. está bem ligada
a uma boa tolerância à frustração e ao genuíno prazer que tiro das coisas
simples. ainda que nós, os felizes, os que raramente se queixam, não se saibam ‘’vender’’,
porque cesto que não se gaba não vai à vindima, prefiro ser assim e deixar o ar
agastado para os especialistas.» | ana cáceres monteiro |