sexta-feira, 11 de novembro de 2016

lista para o fim-de-semana*

Este texto:
«O Nelson vai todos os dias almoçar com a Ana ao seu local trabalho.
Vida desgastante a que ela escolheu. Ele ... ele decidiu acompanhá-la. E não obstante vai esperá-la, no fim do turno, pacientemente junto à porta de vidro. Há alguns anos que os acompanho. Cumprimenta-me com o mesmo entusiasmo de quem está a começar o dia, mas não está. Está a terminá-lo, provavelmente tão cansado como cada um de nós, mas ali fica, no corredor que tão bem conhece e que lhe é permitido invadir, pacientemente à espera da Ana. Vida difícil a que a Ana escolheu, mas constato, na sua saída, já de roupa casual, depois de despir o uniforme que lhe é imposto, que a vida lhe amenizou a decisão e não só a faz sorrir quando o encontra no corredor à sua espera, como também a faz inclinar a cabeça para o lado esquerdo. O lado do coração. Vejo-os numa distância aproximada, que me faz sorrir, apesar de ser tarde e também eu própria me sentir cansada com o trabalho que ainda me espera no final do corredor. Vejo-lhes o coração a desviar as costelas e a desenhar-se no ar, como um balão vermelho e enorme. Como todo o amor deve ser.
Alegram-me o coração nas noites e nos dias em que já deixara de acreditar que o amor é de Camões num lume intangível e inexoravelmente ardente. Alegram-me estes miúdos sábios, que me explicam sem palavras, no fundo de um corredor frio e austero, que o amor é assim: exactamente aquilo que deve ser...»
| maria perlimpimpim in ‘’o dia em que voltei a ter um coração’’ |
*