«O ponto é que nós não somos coisas com botões. O ponto é que os
corpos pensam e sentem coisas. E, de vez em quando, os corpos olham-se ao
espelho e pensam assim: já não sou capaz. E o já não
é um detalhe sintático. Há uma diferença entre não ser capaz e já não ser capaz. O já não ser capaz pressupõe uma memória, algo de anterior. Algo
que foi e que deixou de ser. Por isso, é bem complicado, o já não ser capaz de qualquer coisa. Até que um dia de chuva
bem feio e bem frio vem e muda tudo. Não um daqueles dias em que a vida até nem
parece tão difícil quanto isso, tal é o sol e o azul. Bem cinzento que era, o
tal dia do ajuste de contas. E acabou por ser como se não tivesse havido
intervalo nenhum. De vez em quando, temos umas quantas surpresas reservadas em
nós e reabrimos capítulos que tínhamos como fechados.»
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