«a vida tem
nos testado muito a coragem. apertou-nos desde o primeiro dia. o rio ia para um
lado, e tivemos de remar contra a corrente, convencê-lo a mudar de sentido. tivemos
de construir o barco, madeira a madeira, em cima dos rápidos, sempre a
escorregar. andámos a remar separados tanto tempo, meio perdidos na corrente, a
ir contra as árvores da margem, a bater nas pedras. a precisar de ir, para
voltar. a precisar de cair dentro de água, para saber o que era a falta de ar -
do outro. mas se fosse um rio calmo, não era o nosso rio. se não tivesse
corrente, podíamos boiar, ficar parados no barco, apenas a apanhar o sol, mas
esse não é o nosso rio. o nosso tem rápidos a toda a hora, tem gritos, tem
risos, tem curvas loucas cheias de troncos selvagens, tem família tonta a
gritar por nós nas margens, a lançar-nos a corda sempre que precisamos. o nosso
rio tem cada dia mais força, é cada dia mais fundo, sem pé. mas só
assim tem aquela água transparente, cheia de corrente, com sabor a fresco: água
pura. rio difícil? sim, mas (também) por isso tão único.»
| j.d in momentos |