sábado, 30 de janeiro de 2016

tão isto*

«a vida tem nos testado muito a coragem. apertou-nos desde o primeiro dia. o rio ia para um lado, e tivemos de remar contra a corrente, convencê-lo a mudar de sentido. tivemos de construir o barco, madeira a madeira, em cima dos rápidos, sempre a escorregar. andámos a remar separados tanto tempo, meio perdidos na corrente, a ir contra as árvores da margem, a bater nas pedras. a precisar de ir, para voltar. a precisar de cair dentro de água, para saber o que era a falta de ar - do outro. mas se fosse um rio calmo, não era o nosso rio. se não tivesse corrente, podíamos boiar, ficar parados no barco, apenas a apanhar o sol, mas esse não é o nosso rio. o nosso tem rápidos a toda a hora, tem gritos, tem risos, tem curvas loucas cheias de troncos selvagens, tem família tonta a gritar por nós nas margens, a lançar-nos a corda sempre que precisamos. o nosso rio tem cada dia mais força, é cada dia mais fundo, sem pé. mas só assim tem aquela água transparente, cheia de corrente, com sabor a fresco: água pura. rio difícil? sim, mas (também) por isso tão único.»

| j.d in momentos |