2. ouvir
3. conhecer
4. voltar
5. agradecer
Palavras que podiam
ser minhas, soubesse eu escrever assim:
«A vida nem sempre nos dá motivos para agradecer. Muitas
vezes, e quase em catadupa, ergue as suas mãos gordas e enche-as de pedras para
nos atirar. Fintamos a primeira leva de pedras com um sorriso de fazer derreter
sóis e guerras e…voltamos ao lugar de antes. Olhamos com atenção para tudo o
que somos e, com um suspiro de alívio, verificamos que estamos bem. Tudo
intacto. Não há danos a registar e a primeira lufada de pedras não levou a
melhor. Somos mesmo bons. Não é qualquer tragédia que nos faz soltar os escuros
que temos cá dentro. No momento em que estamos a perceber se tudo está, de
facto, no lugar onde deve estar, ouve-se o restolhar das mãos gordas da vida.
Um barulhinho pequeno e quase morno que não faz antecipar zunidos ferozes.
Silêncio. Mais uma leva de pedras e, DESTA VEZ, a vida tem as mãos ainda mais
cheias. Abrimos os olhos de espanto e de desconcerto e, de repente, caminha na
nossa direção uma enxurrada de pedras extraordinária. Com o amor que nos temos
(a nós, aos outros e aos que são Vida em nós) enchemos o peito de vento
arraçado de Mar do Norte e cortamos as pedras TODAS aos bocados. Uma a uma.
Quando nos permitimos respirar fundo, já todas as pedras nos fazem cócegas nos
pés. Somos mesmo bons. Não é qualquer pedrita que nos pode retirar descanso à
alma. Exatamente no momento em que decidimos contemplar as cinzas frias das
pedras que vencemos, silêncio. Mais uma leva de pedras e, DESTA VEZ, a vida
hesitou. Recuou. Encolheu-nos os ombros para nos distrair. Mais uma leva de
pedras e, desta vez, a vida pensou duas vezes. Duas, não. Desta vez a vida
pensou três vezes. Três vezes pensou a vida antes de nos atirar a terceira leva
de pedras. E o que fizemos nós? Sentámo-nos à sombra de uma segurança que não
existe. Sentámo-nos à sombra de todas as pedras que (QUASE) vinham lá. Confusa,
perdida, atordoada e quase zangada, a vida sentou-se devagar. Também.
Perguntou-nos o motivo da nossa desistência e, ao distrair-se com a pergunta
que nos fez, não reparou que, NAQUELE MOMENTO, éramos nós que enchíamos as mãos
com flores para atirar à vida.
Não me enganei, não.
Lê outra vez.
Éramos nós que
enchíamos as mãos com FLORES para atirar à vida.
Com flores.»
| Marta
Arrais |
» créditos imagem | rita tojal quintela para tribe land