«(...) com a vida fui aprendendo que nem tudo o que parece fácil é o melhor. ou sabe melhor. na profissão, nos amigos, nos amores, tudo o que é fácil nunca tem o mesmo sabor. no trabalho, são os projectos difíceis que dão luta. os já ganhos à partida nem lhes ligamos.
em todos os pequenos detalhes da vida, tudo o que obrigou a um esforço maior, tem mais valor. porque vale não só pelo que é, mas também pelo que foi necessário lutar para ser. por isso, acredito que algures onde se escreve o destino, se colocam dificuldades quase de propósito, para testar a fibra, o valor, a força dos que se querem. que no caminho da felicidade há sempre umas barreiras pré-teste, tipo: "ai acham que se gostam que nem loucos? então superem lá isto!! mostrem lá o que valem!".
e a vida tem nos testado muito a coragem. apertou-nos desde o primeiro dia. a vida, essa puta, só nos criou dificuldades, entraves, barreiras. o rio ia para um lado, e tivemos de remar contra a corrente, convencê-lo a mudar de sentido. tivemos de construir o barco, madeira a madeira, em cima dos rápidos, sempre a escorregar. andamos a remar separados tanto tempo, meio perdidos na corrente, a ir contra as árvores da margem, a bater nas pedras. a precisar de ir, para voltar. a precisar de cair dentro de água, para saber o que era a falta de ar - do outro. mas se fosse um rio calmo, não era o nosso rio. se não tivesse corrente, podíamos boiar, ficar parados no barco, apenas a apanhar o sol, mas esse não é o nosso rio. o nosso tem rápidos a toda a hora, tem gritos, tem risos, tem curvas loucas cheias de troncos selvagens, tem família tonta a gritar por nós nas margens, a lançar-nos a corda sempre que precisamos. o nosso rio tem cada dia mais força, é cada dia mais fundo, sem pé. é perigoso. mas só assim tem aquela água transparente, cheia de corrente, com sabor a fresco: água pura. rio difícil? sim, mas (também) por isso tão único.»
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