Com o tempo
que está, temos de aceitar o sol que nos é oferecido, à temperatura com que nos
chega. Para almoçarmos cá fora, numa esplanada, a ver o mar, temos de
agasalhar-nos e aturar uma certa frescura. O vento, tal como no Verão,
refresca, por muito frescos que já estejamos. O amor ajuda. O medo de apanhar
uma gripe ajuda. A sopa ajuda. De resto, nada mais ajuda.
Ao tentar ganhar uma atitude condescendente para com o frio, observam-se outros
casais com expectativas mais elevadas. Em Janeiro, à beira-mar, nas praias de
Colares, são tão exigentes como se fosse Junho no Algarve.
Anteontem, num dia frio e de vento, ouvi um homem, levantando-se de uma mesa à
frente da nossa, dizer à mulher que havia de almoçar numa esplanada onde não
houvesse vento nem estivesse frio: um objectivo impossível naquelas redondezas,
incluindo todas as europeias.
Pensei logo no que já tantos têm dito: nós
somos os autores, através das escolhas que escolhemos fazer, das desilusões que
nos esperam. Fazemos o nó e construímos o cadafalso (com a tónica em falso)
onde acabamos sempre por nos enforcarmos.
Fabricamos a nossa própria infelicidade. Armamo-nos em exigentes e
orgulhamo-nos disso, por muito que isso nos custe: no prazer do qual abdicámos
e no sofrimento de que nos recusámos a fugir.
O segredo não é apenas não querer o que não é possível. É aceitar que
já é bom poder aceitar o que é possível. É uma pessoa resignar-se a não ser
surpreendida.
(do muito querido) miguel esteves cardoso