Resta, acima de tudo, essa capacidade de ternura. Essa intimidade perfeita
com o silêncio. Resta esse sentimento de infância subitamente desentranhado de
pequenos absurdos, essa capacidade de rir à toa. Resta essa distracção, essa
disponibilidade, essa vagueza de quem sabe que tudo já foi como será no
vir-a-ser. Resta essa faculdade incoercível de sonhar, de transfigurar a
realidade, dentro dessa incapacidade de aceitá-la tal como é, e essa pequenina
luz indecifrável a que às vezes os poetas dão o nome de esperança. Resta esse
constante esforço para caminhar dentro do labirinto, esse eterno levantar-se
depois de cada queda, essa busca de equilíbrio no fio da navalha, essa terrível
coragem diante do grande medo, e esse medo infantil de ter pequenas coragens.
Vinicius de Moraes