Tenho este hábito parvo de fazer as compras sempre nos mesmos sítios. Gosto do comércio tradicional, das mercearias que já ninguém usa, dos talhos iguais aos de antigamente, dos mercados/praças e das feiras. Costumo ir comprar carne sempre ao mesmo talho. Os senhores são simpáticos, fazem sempre umas sugestões óptimas, têm uns preços muito bons e, a melhor parte de todas, a carne é sempre de muito boa qualidade. Mas hoje perderam uma cliente: eu. É isso mesmo. Podem ser os mais simpáticos do mundo, serem cordiais e muito correctos com os clientes, fazerem sempre umas graças com o Martim e dizerem que ele é o bebé mais simpático que conhecem (dizem isto a todos os bebés, claro), saberem conjugar o binómio preço/qualidade como poucos e ainda sugerirem umas receitas muito boas, mas tudo isto perde sentido e credibilidade quando, após a minha saída do talho, olho para trás e vejo um dos donos a dar um pontapé a um cão. Pois. Eu também não queria acreditar no que via. Horrível. Fiquei tão parva que nem sabia o que dizer.
Fiquei a olhar para aquele homem que, minutos antes, tinha sido o mais simpático e solícito e cordial do mundo, e o nó que senti na garganta não me deixava falar. Ia continuar o meu caminho, a chamar-lhe nomes, a gritar para mim mesma que a estupidez de algumas pessoas cresce a cada dia que passa, e a assumir uma postura cobarde, como se não tivesse visto nada. Mas voltei atrás. Toda a tremer, cheia de nervos, mas voltei. E perguntei-lhe o que era aquilo, porque é que ele tinha feito aquilo, o que é que se passava de errado com ele. A resposta foi tão vazia quanto o acto: "a senhora não sabe, mas este animal não me sai da porta e anda sempre a incomodar os clientes, a pedir comida e nós não podemos estar sempre a dar-lhe carne, é que não sai daqui e passa a vida a incomodar. só assim, com estes sustos, é que ele se vai embora".
Estas coisas tristes e sem qualificação, tiram-me do sério. Nem sabia o que lhe dizer. Mas disse a primeira coisa que me veio à cabeça. Disse que achava que ele era uma besta, das piores que já tinha visto à frente e que tinha acabado de perder um cliente e, no mínimo, o respeito dos outros todos que estavam a ver aquela atrocidade, [sim, porque não sei até que ponto as pessoas que estavam a assistir ao mesmo que eu, amanhã já esqueceram a besta que ali vive e voltam a fazer as suas compras, ignorando que têm à sua frente um animal da pior espécie] e que, querendo lá saber se tenho razão ou não, ia fazer queixa dele. Não sei bem a quem. Mas vou.