sábado, 7 de agosto de 2010

Pessoas que falam por nós

"É mais fácil amar alguém que é parecido connosco? Acredito que sim. Sejam parecenças a nível físico ou nas atitudes, valores e traços de personalidade, o factor espelho funciona ao mesmo tempo como um catalisador e uma fronteira dentro da qual gostamos de nos ver. Faz sentido. E também faz sentido que o amor opere numa base egoísta e narcísica, pelo menos no início de uma história amorosa, quando andamos à procura de alguém como nós, que nos entenda quando nos ouve, que nos ajude a querer ser melhores, que nos ponha num pedestal de dois lugares com amplas vistas para um futuro no qual tudo é possível.


Depois vem a parte mais difícil. A pose vai-se desfazendo com o tempo, ao mesmo ritmo que a convivência transforma em serotonina e em conforto o que antes foi risco e adrenalina. E então reparamos que o outro afinal tem um bocadinho de barriga, que ressona, que deixa sempre as meias no chão, que se esquece de fazer um favor que lhe pedimos, que nem todos os dias olha para nós com paixão.
(...)

No entanto, o que nos fez aproximarmo-nos daquela pessoa e apaixonarmo-nos por ela prevalece. São as tais afinidades que nos fizeram sentir em casa desde o início; o interesse pelas mesma artes, o amor aos mesmos livros, o mesmo gosto musical, ou episódios tão pueris como os dois terem tido muitas otites quando eram crianças.

Eu seria incapaz de me apaixonar por um homem que dissesse «mamã» e desse «a papinha com chichinha à bebé». Ou que usasse a expressão ‘o comer’ em vez de almoço. Ou que gostasse de passar férias na Cova do Vapor. Ou que ouvisse Leandro e Leonardo. Ou que não gostasse de Monty Phyton. Ou que usasse brincos pretos e bonés de pala virados ao contrário. Qualquer destes pequenos nadas seriam um turn off, como se o reflexo que tanto desejo de repente se transformasse num daqueles espelhos da feira popular onde nos vemos disformes, ridículos e grotescos."
Margarida Rebelo Pinto, Crónicas do SOL