"É mais fácil amar alguém que é parecido connosco? Acredito que sim. Sejam parecenças a nível físico ou nas atitudes, valores e traços de personalidade, o factor espelho funciona ao mesmo tempo como um catalisador e uma fronteira dentro da qual gostamos de nos ver. Faz sentido. E também faz sentido que o amor opere numa base egoísta e narcísica, pelo menos no início de uma história amorosa, quando andamos à procura de alguém como nós, que nos entenda quando nos ouve, que nos ajude a querer ser melhores, que nos ponha num pedestal de dois lugares com amplas vistas para um futuro no qual tudo é possível.
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No entanto, o que nos fez aproximarmo-nos daquela pessoa e apaixonarmo-nos por ela prevalece. São as tais afinidades que nos fizeram sentir em casa desde o início; o interesse pelas mesma artes, o amor aos mesmos livros, o mesmo gosto musical, ou episódios tão pueris como os dois terem tido muitas otites quando eram crianças.
Eu seria incapaz de me apaixonar por um homem que dissesse «mamã» e desse «a papinha com chichinha à bebé». Ou que usasse a expressão ‘o comer’ em vez de almoço. Ou que gostasse de passar férias na Cova do Vapor. Ou que ouvisse Leandro e Leonardo. Ou que não gostasse de Monty Phyton. Ou que usasse brincos pretos e bonés de pala virados ao contrário. Qualquer destes pequenos nadas seriam um turn off, como se o reflexo que tanto desejo de repente se transformasse num daqueles espelhos da feira popular onde nos vemos disformes, ridículos e grotescos."
Margarida Rebelo Pinto, Crónicas do SOL