"Do lado de fora, o dia cheira a pequenos almoços vagarosos, quentes. As torradas e o café com leite misturam-se com os sussurros das primeiras palavras que se trocam e escapam, abafadas, pelas frestas das portas. Escuto o tilintar dos talheres na loiça enquanto o elevador desliza ao meu encontro. Do lado de dentro ficou o rasto macio do banho, o aroma do creme, do perfume, o sol entrando pela cortina que se deixa entreaberta, a cama em desalinho, os recantos da casa, a temperatura de uma noite bem dormida. Do lado de fora está o frio que a lã protege. Do lado de dentro ficou tranquilo, aguardando, um bocadinho de mim."
"A minha vida teve um AT [Antes de Ti] e um DT [Depois de Ti]. Foram dez anos, com um intervalo de dois, seguidos de mais uns meses [um take dois de um filme já visto e que insistimos em retomar]. É indiscutível que parte, grande parte, da mulher que hoje sou foi moldada no aconchego dos teus braços, da tua pele e do teu cheiro. Afinal eu era uma menina com vinte e um anos e tu assumiste na plenitude o papel que Nabokov criou, em tempos, para Humbert. Nesse tempo, descobri que o amor pode vir em espasmos ou em sussurros, que há sentidos que vão mais além do que o toque, que o prazer acossa-nos ao ponto de um murmurado “fode-me” soar a súplica, que um simples olhar é suficiente para nos cortar a respiração, que numa relação a dois o único limite é o da aceitação das partes e que é possível o controle do ritmo ébrio a que os corpos se movimentam…. Percebi que há um tempo para fazer amor e um tempo de libertação do que de mais primário há em nós, que há um tempo para conversar e um tempo de silêncios, que há um tempo para insistir e um tempo para esperar, que há um tempo de confiança e um tempo de mágoas, que há um tempo para chegar e um tempo para partir..."
"Este ano o dia de S. Valentim, vulgo, Dia dos Namorados, andará a par com o Carnaval (oh que pena). Bom, se é para comemorar foleiradas, ao menos que seja o tudo em um. Se já não olho para o Carnaval com bons olhos, por ter demasiadas importações pouco dignas do nosso clima e é ver as nossas Escolas de Samba (?!?!) cheias de tradições nacionais dignas da mais velha nação do mundo, a resistirem peladas ao frio que cá se faz sentir, para o Dia dos Namorados, olho com ternurinha. Acho muito bem que quem o quiser comemorar que o faça, pois então, mas como ainda estou convencida que o amor se comemora todos os dias, pronto, acho-o piroso nas montras e no forçar de manifestações. É que o amor não se quer com datas marcadas, nas prendas previstas e de nada vale se não nos oferecerem nas horas imprevistas, em dias de coisa alguma, o nosso perfume favorito, uma peça de lingerie, um livro, ou uma inutilidade. O que gostamos mesmo, é de saber que ele pensa em nós, a propósito de nada ou de qualquer coisa, um monte de vezes ao dia, todos os dias. Digo eu na minha, que não preciso de datas para nada."