"Por princípio eu sou contra o aborto".
Era esta a minha resposta sempre que me perguntavam qual a minha posição em relação a um assunto que tem tanto de polémico como de delicado. Aliás, para nós, mulheres, tem mais de delicado e emocionalmente fragilizante, do que propriamente polémico.
Sou católica, não praticante, acredito nos princípios da vida, na lei natural de tudo o que nos acontece, num Universo que conspira (quase) sempre a nosso favor e, ainda, na lei do retorno. Aprendi, num passado recente, a ser mais tolerante e mais flexível em relação a assuntos que geram opiniões tão radicalmente opostas à minha. À minha opinião, ao meu ponto de vista, à minha postura perante algo tão importante (para mim) como dar vida a uma vida.
Hoje, num presente recente, fui confrontada com uma realidade que me fez pensar e pensar e pensar como posso estar tão certa como tão errada. Ou melhor, como existem situações que deitam por terra esta minha perspectiva cor de rosa e romântica da vida pela vida.
Uma amiga dos meus pais vive uma das situações mais delicadas e confusas (e desesperantes) que se pode viver: a filha, de apenas 17 anos, engravidou. Ela e o marido são radicalmente contra o aborto. Manifestaram-se de forma efusiva aquando do referendo. São católicos, praticantes e defensores de valores e princípios que não admitem tirar a vida a uma vida...
São pais de 9 filhos, têm uma vida financeiramente muito confortável e para eles um filho é uma dávida. E foi sempre desta forma que encararam todas as gravidezes da A. Até esta altura. Até saberem que a sua filha, que namoriscava um miúdo do grupo dos escuteiros de que faz parte, engravidou. Até saberem que os muitos conselhos que eu e outras amigas do nosso grupo lhes demos em relação, por exemplo, à toma da pílula, foram ignorados por contrariarem os princípios que defendem...
Hoje o mundo deles desabou, porque hoje dizem ser cedo para serem avós. Hoje dizem ser cedo para que a T. abdique de tudo o que pode ter para ser mãe tão nova. Para que os estudos fiquem para trás ou sejam preteridos pela prioridade das prioridades; para que seja mãe antes de casar de véu e grinalda, para que possa viajar e conhecer o mundo antes de se tornar mãe, responsável por alguém quando ainda se é uma menina.
E agora? O que dizer e fazer com os princípios que até aqui eram o norte e o sul de uma família? O que fazer com tantos sonhos sonhados para cada um dos filhos que começaram, com a gravidez inesperada e precoce da T., a serem postos em causa?
Vive-se, por lá, um clima de dúvida, desilusão e muita ansiedade.
Não tenho qualquer jeito (nem pretensão a...) para fazer futurologia. Mas tenho para mim que há pessoas que no meio da sua vida/ existência, são obrigadas por uma lei qualquer que está acima de nós, a re-equacionar tudo o que tinham como certo, como definitivo, como verdade única.